O dia era 28 de novembro, uma quarta feira ensolarada de um longínquo 2007.
A História do Brasil acenava com a mão sobre o velho bonde que assoviava nos trilhos o prenúncio de um canto novo. O pôr do sol estalava nos Arcos da Lapa um banho de ouro e Santa Tereza abençoava os transeuntes que desde a Belle Epoque fazem jus à gema de ser carioca.
A noite estava assim enluarada quando Cândido das Neves jamais veria cansaço na voz do trovador.
Os bondes e trens param para deixar o silêncio penetrar no labirinto de luzes sobre o palco, um leve ruído sinaliza que o microfone fora aberto. O silêncio impera. Até o instante em que é quebrado com sutileza e sabedoria, que reinam por mais de 1 hora. Um tamborim picota os primeiros retalhos e em seguida todos se calam em reverência ao cetim de voz na atmosfera, que sabe a exata dosagem de nos encharcar de suavidade e de abrir todos os poros arrepiando até o último fio humano, feito uma bola de neve que cresce everesticamente até arrebentar todas as vidraças da emoção. Todo um requinte de transbordamento avassalador que faz a diferença entre tantas cantoras de samba: ela traz toda a América Latina nos ombros, o que dá a ela um patamar de ecletismo em possibilidades vocais. Não só o Brasil, mas toda a América espanhola é injetada na voz no momento certo. Uma simbiose de Dorival Caymmi, Violeta Parra, Zé Ketti e Victor Jara, com o sotaque carioca dela mas como se as canções fossem compostas em parceria, além de um poderoso Grave-Sosa de tirar a Cartola e o fôlego da pasma platéia.
Essa força que brota das profundezas do Brasil e desagua em cataratas no Iguaçu de uma garganta tem um nome: Manu Santos.
Quando surgir uma nova cantora no cenário brasileiro com tais características no timbre e na interpretação, poderemos falar de suas influências e apontar como referência o Grave-Santos, que banhou o Rio de Janeiro naquela noite enluarada de 2007 e que hoje está carimbada na História da música popular brasileira.
O disco mais recente da cantora só vem corroborar minhas palavras.
O meu eu não empresto!
São Gonçalo, muitos anos depois.
Rafael Garcia